Agricolino, professor e fundador de curso nota 5: Conheça Délcio Bueno.
Poucas pessoas sabem, mas uma das personalidades mais emblemáticas do curso de Medicina Veterinária, o professor Délcio Bueno da Silva, tem uma história de afinidade com o Campus Muzambinho que data de muito tempo antes de ele assumir suas funções como docente. Sobrinho de ex-diretor, o nosso protagonista viu e participou de momentos marcantes de nossa história, e aprendeu aqui sobre os valores que compartilha com seus alunos em sala de aula. Hoje, atua como docente de um curso que ajudou a fundar, e é sobre esta trajetória de grandes conquistas e aprendizagens que falaremos neste capítulo dos 70 anos do Campus Muzambinho.
Logo nos primeiros anos de sua juventude, Délcio tomou parte naquela tradicional rivalidade que, segundo ele, havia entre os agricolinos e os jovens Muzambinhenses. Acontece que, segundo consta, os Muzambinhenses não estavam nada satisfeitos em serem ofuscados pelos tais “forasteiros”.
Apesar das desavenças entre os grupos, Délcio aprendeu a respeitar e admirar esta instituição desde cedo, visto que era sobrinho do saudoso Diretor José Rossi, e oportunidades não faltaram para que pudesse ouvir falar e até mesmo ver de perto os encantos desta instituição.
Ele recorda as vezes em que, ao lado do pai, veio a esta instituição para os dias de campo ou mesmo para visitas esporádicas, e sempre lhe chamou a atenção a beleza dos campos e jardins, o cuidado com os animais e aquele clima bucólico que esta casa ostentava; No entanto, havia algo de promissor naquele lugar, cuja tecnologia estava muito à frente do que se podia verificar na cidade de Muzambinho, e Délcio não tardou a perceber isso.
“Como os recursos da escola eram mais adiantados, era bem comum que ela levasse seus tratores e caminhões para o desfile de 7 de setembro. Isso era para mostrar, de fato, o que a escola tinha pra oferecer” – contou.
Com o passar dos anos, ocorreu a Délcio o mesmo que ocorria a tantos jovens de sua idade: Por que não estudar nesta Instituição?
Havia algumas dificuldades envolvidas, e uma delas é que a escola só aceitava internos nesta instituição, e mesmo os Muzambinhenses que quisessem estudar aqui precisariam se adequar a esta regra.
A grande oportunidade veio no ano de 1974, quando o colégio anunciou vagas de semi-internato para o ano seguinte (1975), e foi assim que Délcio acabou por vivenciar um momento histórico dessa instituição: Integrar a primeira turma de semi-internos da Escola Agrotécnica.
Este foi um ponto de virada na tradicional rivalidade entre os agricolinos e os jovens Muzambinhenses, segundo Délcio, pois ali se iniciava uma era de integração entre as tribos. A partir dali, eram todos estudantes da Escola Agrotécnica.
“Isto deu uma apaziguada naquela rixa que havia entre os jovens do Colégio Agrícola e da cidade de Muzambinho” – Completou Délcio.
Uma das características mais marcantes relatadas pelos estudantes daquela época, era a da seriedade e disciplina instaurada dentro dessas paredes. Cada aspecto da vida de um agricolino era passível de aprendizagem e, muitas vezes, repreensão.
“Por exemplo, não podíamos pisar na grama a menos que estivéssemos cuidando dela. Então, se alguém fosse visto pisando na grama tinha que trabalhar na escola durante o fim de semana. Qualquer indisciplina acarretava alguma escala no final de semana ou, se interno, impedia as idas à cidade”.
Quanto ao trabalho, Délcio relata que ele era sempre criteriosamente dividido entre os alunos, e sempre com fiscais para verificar o andamento das tarefas e, em seguida, providenciar ou vetar a liberação dos estudantes.
Para muitos daqueles estudantes, essas práticas tinham o poder de preparar os jovens para algo além das tarefas laborais; Mais que isso, eles eram preparados para a vida, segundo relato do professor Délcio.
Acontece que haviam poucos funcionários nesta casa, e aos estudantes cabia também o papel de executar muitas das tarefas essenciais aos funcionamento da Escola, como a lida com os animais, a limpeza, o cuidado com os campos e áreas cultiváveis, dentre outros.
“Acredito que havia uns 15 funcionários na Instituição, e éramos nós (estudantes) que fazíamos praticamente tudo. Tínhamos de aprender a fazer ou, pelo menos, ter alguma noção de como fazer, e por isso saíamos muito bem formados; Então eu sempre digo para as pessoas que a formação técnica na Escola transformou a minha vida toda. Minha formação começou aqui”.
A cada semana, os estudantes faziam escala em algum setor diferente, e os mais adiantados ou que tinham maior domínio sobre algum assunto acabavam assumindo ali alguma função como monitores. Assim, o conhecimento se expandia e era compartilhado não apenas entre os estudantes, mas também com o município e arredores; Os relatos dão conta de que as novidades chegavam primeiro a esta Instituição, onde eram testados. Na sequência, segundo Délcio, as lideranças vinham à escola para conhecer tais inovações e levar o conhecimento aos familiares e produtores vizinhos.
Entre os alunos, muitas virtudes eram estimuladas, incluindo o empreendedorismo. Aqui, muitos dos estudantes tiveram seu primeiro contato com o mundo dos Negócios. Não foi diferente com o jovem Délcio.
“Meu primeiro envolvimento com o empreendedorismo foi aqui na escola, em 76, quando eu e mais dois colegas nos inscrevemos para um projeto via cooperativa. O colégio então nos viabilizou um terreno, e a cooperativa nos doou saquinhos, adubo e sementes. Produzimos, na época, cerca de 15 mil mudas de eucalipto, que foram vendidos pela cooperativa para outras cidades e produtores, já que Muzambinho não tinha essa tradição com esse tipo de muda”.
“Fazíamos esse trabalho nas nossas horas vagas, inclusive sábados e domingos, e isso me rendeu uma porcentagem em dinheiro, algo que nos deixava bastante orgulhosos”.
Para Délcio, este tipo de empreendimento ajudava os alunos a compreenderem que os ganhos não vem facilmente, sem trabalho, e que a oportunidade de assumir essas responsabilidades trazia maturidade para o funcionamento do mercado e de uma empresa. Dessa forma, a prática trazia grandes benefícios para a formação dos estudantes.
As tarefas, claro, eram sempre acompanhadas por algum professor, que tinham a missão de se certificar de que tudo estava correndo como deveria, até por uma questão de zelo com o dinheiro público.
“Não éramos deixados sem supervisão de jeito nenhum! Se estávamos atrasados, eles nos puxavam a orelha: ‘Olha! Precisa encher mais saquinhos’.” – lembrou.
Mas os anos trouxeram também algumas dificuldades, e Délcio recorda um dos momentos mais difíceis vivenciados pela turma de 75.
Segundo ele, tudo começou quando o Diretor José Rossi reuniu os cerca de 220 estudantes para compartilhar as severas dificuldades financeiras que a Instituição enfrentava. As implicações motivaram uma dura decisão: Os semi-internos não jantariam mais na instituição, salvo em casos muito específicos, e embora a salada continuasse sendo servida em abundância, os almoços não teriam mais carne; Na janta, as carnes seriam servidas em apenas dois dias da semana, e apenas para os internos e à noite.
“Comíamos à vontade, muito bem no começo! Mas o segundo ano foi danado. A gente sofreu, mas não de fome. Sofremos sim, mas foi de vontade de comer carne! Quem tinha dificuldades passou bastante vontade naquela época”.
Os desperdícios também não eram tolerados, e a necessidade trouxe à luz sistemas criativos de controle das refeições. “O sistema de controle do refeitório era feito pelos chamados toquinhos… Você tinha de pegar o seu toquinho no quadro dos que ainda não tinham almoçado e passar para os que já tinham almoçado, ou, se não fosse almoçar, tirar o seu toquinho de lá”.
Se você não fosse almoçar e não tirasse seu toquinho antes do almoço ser preparado, isso atrapalhava a contabilidade do pessoal da cozinha, e a situação financeira era tão séria, e o controle tão rígido, que se você fizesse isso, tinha de ficar de escala no final de semana, trabalhando para escola para aprender a dar valor na comida”.
Outras dificuldades eram menos pesarosas, e são relembradas a boas gargalhadas por aqueles que tiveram a oportunidade de vivenciá-las.
O que dizer, por exemplo, das penosas limpezas do silo que havia na Bovinocultura Leiteira? De acordo com Délcio, era preciso descer ao fundo do silo e tirar toda a imundície acumulada, e o processo dispensava os alunos do compromisso para com as aulas. Acontece que o odor característico da atividade era tão forte que, mesmo com o banho, os alunos não eram autorizados a comparecer à sala de aula.
“É que aquele cheiro grudava na gente, e impregnava tanto, tanto, tanto que apenas com um banho não saía. Então quem tinha passado pelo silo era dispensado da aula, porque quem estava na sala não aguentava o cheiro de quem tinha vindo do silo. Apesar disso, era uma briga pra ir pro silo, já que não tinha de ir pra aula”. - risos.
Episódios como estes estimulavam o senso de pertencimento e a fraternidade entre os estudantes, que encontravam um no outro a força necessária para seguir com os estudos e vencer as muitas tarefas do dia a dia.
“Além de conviver, nós precisávamos um do outro, e dificilmente alguém conseguia fazer uma tarefa sozinho. Então eu ajudava os outros nos assuntos que eu dominava, e vice-versa. Foi assim que eu aprendi a apanhar café, o que era um caos para mim! O professor Farid sempre reclamava que eu deixava muitos grãos no pé, e foi então que um colega me ensinou em detalhes como deveria fazer. Foi assim que aprendi. Essa troca entre a gente acontecia e era bastante rica, uma forma de aprendizado também.”
“Aqui a gente fazia de toda dificuldade uma festa. Tudo! A gente trabalhava o tempo inteiro na panha de café, capinava milho na mão, mas sempre rindo, brincando, amolando… E assim criou-se uma família. Era uma grande alegria, e quem não participasse disso, de fanfarra, dos jogos, dos jogos regionais ou mesmo das escalas não teria muita história pra contar. Eu fui feliz, porque participei. Se tivesse de fazer de novo o Colégio Agrícola, seria algo que eu faria com a maior tranquilidade.”
Hoje, Délcio compreende que os processos de ensino mudaram, e que aqueles tempos vivenciados hoje são apenas história, mas não foram embora sem deixar boas lembranças e forjar grandes profissionais. “Certas coisas que a gente aceitava felizes, hoje causariam uma revolução. Mas cada coisa ao seu tempo! Pelo menos no nosso tempo nós fomos muito felizes aqui”.
E foi desta forma, apesar de todas as adversidades e provações, que Délcio rumou para a Federal Rural do Rio de Janeiro, onde concluiu o curso de Medicina Veterinária no ano de 1983. Assim iniciou sua carreira como docente universitário na UNIFENAS - Alfenas, onde lecionou por 31 anos, período no qual conquistou também os títulos de mestre e doutor. Quando enfim chegou o período da aposentadoria, surgiu a oportunidade de prestar um concurso para o Campus Machado (IFSULDEMINAS). Após breve período naquela instituição, foi convidado pelo então diretor do Campus Muzambinho, professor Luiz Carlos Machado, para abrir o curso de Medicina Veterinária nesta unidade. Sua transferência veio atrelada a esta missão, e no ano de 2015, ao lado de outros professores, trouxe à luz este curso que viria a ser um dos grandes trunfos desta Instituição.
Logo no ano de 2019, o curso conquistou a nota máxima do ENADE, e hoje está entre as 15 melhores do Brasil, tendo conquistado inclusive a nota máxima junto ao MEC.
Ao olhar para trás, Délcio não sente nada se não gratidão e orgulho pelo legado construído, afinal foi o primeiro coordenador do curso de Medicina Veterinária, e hoje tem a oportunidade de coordenar o Hospital Veterinário desta Instituição. Além disso, pôde crescer junto ao Campus Muzambinho, onde aprendeu valores que carrega por toda a vida. É com base nesses valores, e em tudo o que aprendeu e viu por aqui, que ele acredita que ainda há muito mais por vir:
“Essa foi minha casa, minha família por três anos! E se eu me tornei veterinário, fiz mestrado e doutorado foi tudo pelo incentivo que eu tive aqui dentro. Isso faz com que eu, assim como todos os que passaram por aqui, sintamos que isto aqui é nosso também. Nós somos donos! E eu digo a todos para que se preparem, pois esta instituição é uma potência e vai crescer ainda mais. Veja, tínhamos só 225 alunos na minha época, e esta era uma instituição, de certa forma, renegada, vista como disciplinadora. Hoje já são milhares de alunos, além da extensão, empresas juniores, entre outros… Então o meu recado é exatamente esse: Se preparem porque o Instituto Federal, o Campus Muzambinho, será do tamanho de uma universidade, será multiplicado o seu respeito e logo seremos uma potência acadêmica, social e de disseminação de conhecimento, e isso vai fazer muito bem pra sociedade e para região, em especial para Muzambinho”.
Texto e fotos: ASCOM - Campus Muzambinho
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